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Trindade e Ressourcement: O Retorno à Patrística como Horizonte Teológico da Igreja Vétero Católica

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         A teologia contemporânea encontra-se diante de um duplo desafio: por um lado, responder às novas interrogações que emergem da cultura pós-moderna, marcada pela fragmentação de sentidos, pelo pluralismo religioso e pela busca por experiências mais relacionais do que conceituais; por outro, permanecer fiel à tradição viva da Igreja, que sempre buscou articular, em linguagem humana, o mistério transcendente de Deus. Nesse contexto, a Igreja Vétero-Católica no Brasil compreende que a tarefa de pensar o Dogma da Santíssima Trindade não pode ser realizada apenas pela repetição das categorias herdadas da Escolástica ou pelos sistemas polêmicos da Reforma e da Contra-Reforma. Não se trata de rejeitar essas contribuições, mas de reconhecer que a orientação principal, neste momento histórico, exige um retorno às fontes patrísticas e ao contexto narrativo da Revelação Bíblica. É na teologia antiga e primitiva que se encontra a matriz vital de uma fé que não nasceu como sistema abstrato, mas como resposta viva ao Deus que se revelou em Cristo, no Espírito, e no seio do Pai. Esse movimento de ressourcement é fundamental para que a Igreja possa superar modelos excessivamente racionalistas ou individualistas e reencontrar, no coração da Tradição, a possibilidade de uma teologia trinitária que responda às questões atuais, sem perder a densidade e a profundidade do mistério de comunhão que ela expressa.

         O Dogma da Santíssima Trindade, núcleo central da fé cristã, não é apenas uma formulação teórica, mas a confissão do Deus vivo que se revelou na história da salvação como comunhão de amor. Ao longo dos séculos, diferentes modelos teológicos procuraram dizer esse mistério: a Patrística privilegiou a dimensão do Mistério Salvífico, enraizado na Escritura e na experiência litúrgica das comunidades; a Escolástica desenvolveu uma linguagem marcada pela categoria de substância suprema; a Reforma e a Contra-Reforma enfatizaram o sujeito absoluto, em diálogo ou em oposição às correntes filosóficas modernas. Contudo, o tempo presente exige uma nova abordagem, pois o paradigma relacional tornou-se a chave hermenêutica mais fecunda para expressar a fé trinitária em um mundo que anseia por comunhão, diálogo e intersubjetividade. É nesse horizonte que ecoa a reflexão de Bingemer e Feller (2009, p. 30-31): “Durante estes mais de vinte séculos, o Cristianismo tentou falar sobre Deus, caracterizando-o segundo alguns modelos: Mistério Salvífico (Patrística); Ser Supremo e Substância Suprema (Teologia Clássica ou Escolástica); Sujeito Absoluto (Reforma e Contra-Reforma). Hoje, na crise da modernidade e no advento da pós-modernidade, a teologia cristã toma a categoria de relação e da intersubjetividade para dizer o mistério de um Deus que é amor e comunhão entre pessoas, ao mesmo tempo que único. Vislumbramos, assim, alguns passos de superação a serem dados, que se impõem nesse momento da história da teologia trinitária, a fim de que o método que empregamos ajude realmente o povo de Deus a realizar uma experiência profunda e verdadeira do Deus de sua fé”.

         Nessa perspectiva, a Igreja Vétero-Católica no Brasil propõe como caminho metodológico privilegiado um retorno às fontes patrísticas, não em sentido arqueológico ou meramente repetitivo, mas como redescoberta de uma teologia enraizada na Escritura, na tradição viva e na experiência da comunidade eclesial. Os Padres da Igreja — Irineu de Lião, Atanásio, os Capadócios, Agostinho — pensaram a Trindade não como abstração intelectual, mas como a confissão de um Deus que salva e se comunica em sua vida trinitária. A linguagem patrística, marcada pela simbologia bíblica, pela proximidade pastoral e pela profundidade espiritual, oferece hoje uma inspiração singular para a construção de uma teologia que, ao mesmo tempo, seja fiel à fé antiga e capaz de responder aos anseios do homem contemporâneo.

Assim, ao invés de reduzir o mistério trinitário a um exercício de raciocínio metafísico ou a uma formulação dogmática cristalizada, a Igreja propõe retomar a dimensão narrativa e experiencial da fé. O Deus uno e trino é aquele que se deixa conhecer no acontecimento da Encarnação, na efusão do Espírito, na vida sacramental e na comunhão da Igreja. Retornar à patrística significa, portanto, voltar às origens para poder avançar, realizando uma hermenêutica que não absolutiza categorias de épocas passadas, mas busca na Tradição a inspiração para novos passos teológicos e pastorais.

         Conclui-se, portanto, que a reflexão trinitária da Igreja Vétero-Católica no Brasil encontra sua legitimidade e sua fecundidade justamente no retorno às fontes patrísticas, sem desprezar, mas também sem se deixar aprisionar pelas categorias da Escolástica, da Reforma ou da Contra-Reforma. Essa opção metodológica nasce da convicção de que a patrística, ao articular a fé a partir da Escritura, da vida litúrgica e da experiência comunitária, oferece o alicerce mais sólido para enfrentar os desafios teológicos do presente. A retomada do contexto narrativo da Revelação Bíblica torna-se, assim, um passo de superação importante: ela permite que a teologia trinitária contemporânea seja mais do que uma construção intelectual, tornando-se novamente anúncio de vida, comunhão e esperança para o povo de Deus. Ao assumir essa tarefa, a Igreja Vétero-Católica reafirma sua vocação de ser guardiã da tradição viva e, ao mesmo tempo, intérprete criativa da fé, colocando-se a serviço da missão evangelizadora. É nesse horizonte que a Trindade, mistério de amor e de comunhão, volta a resplandecer não apenas como dogma professado, mas como experiência de vida partilhada na Igreja e no mundo.

AGOSTINHO, Santo. A Trindade. 2. ed. São Paulo: Paulus, 1995.

ATANÁSIO. Cartas a Serapião sobre o Espírito Santo. São Paulo: Paulus, 2002.

BASÍLIO DE CESAREIA. Sobre o Espírito Santo. São Paulo: Paulus, 1999.

BINGEMER, M. C. L.; FELLER, V. G. Deus Trindade: a vida no coração do mundo. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 2009.

CONGAR, Yves. Eu Creio no Espírito Santo. 3 v. São Paulo: Paulus, 2005.

IRINEU DE LIÃO, Santo. Contra as Heresias. São Paulo: Paulus, 1995.

RATZINGER, Joseph. Introdução ao Cristianismo. 6. ed. São Paulo: Loyola, 2005.

ZIZIOULAS, John D. Comunhão e Alteridade: Pessoa e Igreja. São Paulo: Paulus, 2008.

SOBRE NÓS

No Brasil desde 1932, através da missão polonesa da Igreja Antigo Católica da Polônia, em Ponta Grossa /PR, pelas mãos do Padre Bartnicki. Após o incêndio criminoso de 1934, só em 2019, esta Igreja retornou a Utrecht para solicitar seu reconhecimento.

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